quarta-feira, 28 de março de 2018

Lourdes Maria Bandeira fala sobre as mulheres na sociedade.

Eu sou Lourdes Maria Bandeira, professora titular do Departamento de Sociologia, onde dou aula há mais de 25 anos. Toda a minha atividade e linha de trabalho estão vinculadas à questão das relações de gênero. Então eu trabalho com questões relacionadas às mulheres, seja no campo da violência, no qual eu trabalho mais, seja em relação aos locais de formação profissional em que as mulheres se encontram.
Eu tenho observado que, nos últimos anos (na passagem dos anos 70 para 80, do século passado), houve um ingresso maciço das mulheres nas universidade. Hoje elas constituem mais de 62% das alunas de graduação, nas universidades públicas e privadas. O que é muito interessante, que é a pergunta que a gente deve fazer, é: Onde elas estão concentradas? Para quais cursos se dirigem essas jovens, que serão futuras profissionais? Então, o que a gente observa é que a maioria está centrada nos cursos de formação vinculados às áreas do cuidado. A maioria são alunas do Serviço Social, Enfermagem, Pedagogia, Nutrição… E mesmo nos cursos de maior “prestígio social”, como são vistos pela sociedade, como Direito ou Medicina, que tem uma história de tradição e que são vestibulares com maior dificuldade de ingressos, temos uma presença feminina. Na medicina, chega a 50%, que conseguiram passar no vestibular e que estão cursando medicina. Agora, a pergunta é: Quais especialidades elas vão desenvolver?
Aqui, vemos novamente que há uma reprodução da divisão sexual do trabalho, na qual cabe às mulheres as atividades do cuidado e da responsabilidade da reprodução, da criação dos filhos, das responsabilidades sobre família etc. Isso ocorre, por exemplo, na medicina. Assim, elas estão na ginecologia ou pediatria, geralmente. Poucas mulheres estão em profissões reconhecidas como "profissões de grande prestígio” e, mesmo quando estão, como na área de cardiologia ou cirurgia estética, por exemplo, ou as próprias especializações mais sofisticadas, como o cuidado com o diabetes, na endocrinologia, praticamente somente homens têm visibilidade, já que isso está relacionado a uma condição de poder.
Então, assim como da área da saúde, darei um exemplo da área do direito, onde ocorre a mesma situação. As mulheres fazem o vestibular e ingressam em maioria, tendo a maioria de associadas vinculadas à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Mas onde elas estão?
Recentemente, olhando na internet, não localizei que uma mulher fosse a presidente da Sociedade de Cardiologia; não localizei que uma mulher tivesse sido presidente da Sociedade de Cirurgiões Plásticos.
Podemos falar também do caso da Sociedade Brasileira do Diabetes. Fundada em 1970, tem a Dra. Hermelinda como a 3ª mulher que é presidenta e ainda assim, mesmo trazendo uma mudança de padrão, sofre todas as formas de estereotipação e discriminações, como ocorre com as mulheres que estão no Direito também. Quantas mulheres nós temos no Supremo Tribunal Federal? Duas. A Ministra Rosa Weber e a Ministra Presidente Carmem Lúcia. E antes dela só tivemos uma outra ministra, que também foi presidente. Então, o que significa isso? Onde as mulheres estão? Olhamos o Congresso Nacional, onde nós temos em torno de 10%-12% de mulheres, na Câmara e no Senado. Portanto, obviamente, em sociedades estruturadas em padrões masculinistas e apoiadas em relações de poder heteronormativas, em que os homens heterossexuais e brancos detém o poder, todas as possibilidades de quebrar os paradigmas da relação de poder hegemônica são combatidas. Por isso, temos que fazer um esforço múltiplo, sendo excelentes profissionais e provar isso a todo tempo. Outro exemplo que vale citar é que a UNB tem a primeira reitora, após de mais de 50 anos.
A sociedade, de modo geral, e quem está em posse de poder - a elite brasileira masculina - cobra de nós a nossa responsabilidade como mãe, como cuidadora. Tudo isso reforça as dificuldades que as mulheres têm em estar em condições de competir e ter poder em relação aos homens. Outro detalhe que é de extrema importância observar é que as mulheres que estão hoje em posse de poder estão solteiras ou se separaram. Isso acontece pois seus companheiros não suportam que elas "façam sombra", que tenham uma condição de visibilidade midiática melhor que eles. Mais um fator importante é a condição salarial. Mulheres, de modo geral, ganham até 30% menos que homens, nas mesmas qualificações.
Mais pessoalmente, em 2013 me descobri com Diabetes Tipo 2. O diagnóstico foi feito pela minha endocrinologista anterior, Ana, e agora sou atendida pela Dra. Hermelinda.
Estou desde 2014 com a Dra. Hermelinda, que mudou completamente o meu tratamento e fez com que hoje eu tenha um controle muito bom do diabetes. Eu não tenho histórico familiar da doença. Tenho uma mãe de 91 anos, lúcida, que mora sozinha; tenho 3 irmãs e uma delas, inclusive, não toma remédio de natureza alguma; meu pai morreu de embolia pulmonar, nada vinculado ao diabetes. Então, foi feita uma investigação do meu histórico familiar. De onde surgiu o diabetes?
Um médico psiquiatra chegou à conclusão de que eu vivia em uma situação de estresse tão profundo e tão grande, que esse fator agravou alguma tendência relacionada à doença. Fui Secretária Executiva da Secretaria das Mulheres e sempre fui muito atuante na militância feminista.
Fiquei muito chocada com esse fato, já que além de todas as responsabilidades que a gente tem, ainda há a questão de uma doença autoimune, que a gente tem que tratar todo dia, observar todo dia. O estresse não diminui e há uma série de demandas, como as filiais. Tenho 3 filhos, que apesar de já serem adultos, são "filhos para sempre" e tudo isso faz com que a gente tenha preocupações... Esse fator eu consigo controlar, mas não consigo erradicar. Portanto, venho controlando.
Estou muito contente com meu acompanhamento com a Dra. Hermelinda que, além de tudo, tem o prestígio profissional que eu faço questão de enfatizar. É de extrema importância que hoje ela esteja na Presidência da Sociedade Brasileira de Diabetes.
O impacto emocional do diagnóstico do diabetes é super importante. Até mesmo pelo motivo de atingir mais mulheres do que homens: as mulheres têm maior estresse. Eu, quando tive uma situação de profundo estresse, em uma tarde, anoiteci e amanheci não enxergando mais. Eu "ceguei" e procurei o meu oftalmologista, que é meu médico antigo e ele disse: “não, você não está com problema de vista, você está com uma taxa de açúcar elevada, que muito provavelmente é diabetes”.
Então, fui procurar um endocrinologista, que na época também era uma médica; ela me diagnosticou e comecei o tratamento. E é claro que eu levei um choque, pois isso requer de mim mais tempo para mim. Mais tempo para eu me controlar, controlar minha alimentação, controlar o meu estresse, controlar o excesso de atividades, já que eu sempre fiz muitas coisas. Mas depois, eu fui me acostumando, tomando medicamentos… E há uma reação do organismo em cima disso, então tive outros problemas de saúde, graves também.
Mas sou uma lutadora! E como diz o ditado popular, “vaso ruim não quebra” e se trincar, fica trincado. Mas quebrar, não quebra, estou aqui na luta.
Então, é claro que eu tive um choque. Imediatamente liguei para minha mãe e perguntei se havia alguma tia ou algum parente em situação de diabetes, já que as famílias do meu pai e da minha mãe são numerosas, mas nenhuma situação se configurou. Por isso, claro que havia uma tendência ou alguma vulnerabilidade, mas o que agravou o quadro foi o estresse.
FONTE:http://www.diabetes.org.br/publico/ultimas/1619-lourdes-maria-bandeira-fala-sobre-as-mulheres-na-sociedade


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